Sinhá Moreira: mulher arrojada e a serviço dos outros
Quando cheguei a Santa Rita do Sapucaí, pequena cidade do Sul das Minas Gerais, impressionou-me ver o nome “Moreira” por todo lado: Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira, Hospital Antônio Moreira, Escolas Estadual Sinhá Moreira e uma outra Dr. Delfim Moreira, Incubadora Municipal Sinhá Moreira, Avenidas Delfim Moreira e outra Sinhá Moreira... Aos poucos, fui descobrindo as grandes figuras que aqui nasceram e se projetaram social e politicamente pelo país. Os Moreiras eram uma delas.
Pesquisei, curioso, antigos exemplares do jornal “Correio do Sul”, então aqui publicado, e encontrei sempre referências positivas e por diversos anos à dona Luzia Rennó Moreira (1907–1963), carinhosamente chamada de dona Sinhá.
O pai desta mulher fez fortunas com o cultivo de café e a cana de açúcar, fundou o antigo Banco da Lavoura de Minas Gerais (1927) e mais tarde, foi presidente do Banco Nacional de Minas Gerais. Um irmão deste “coronel” foi presidente do Estado de Minas Gerais e, logo depois, presidente da República: Delfim Moreira (1918).
Nesta família economicamente privilegiada e nesta pequena cidade rural de Santa Rita do Sapucaí, nasceu, pois, dona Sinhá. Casada por interesses financeiros com um primo diplomata, viajada, rica, desquitada aos 34 anos, tinha tudo para fazer uma vida superficial e desregrada. Mas ela não enveredou por aí.
Voltando para a sua cidade natal, dona Sinhá começou a construir casas populares; mais de 80! Isso foi em 1952. Logo depois, fundou uma escola primária, pois sabia que sem educação a cidade não iria para frente. Ao mesmo tempo, ajuda o Asilo dos Idosos e até constrói um hospital... A pequena cidade foi sacudida pelas suas belas iniciativas sociais.
Um dia, começou a sonhar numa escola profissional que enraizasse os jovens e não fossem obrigados a buscar trabalho em cidades maiores. Conseguiu do presidente Juscelino Kubitschek a criação dos cursos de eletrônica, em nível médio. Surge, assim, a primeira Escola Técnica de Eletrônica do Brasil, na pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí.
Graças a esta iniciativa e a partir de então esta pequena cidade rural toma vulto, até se tornar no famoso polo de excelência: “Vale da Eletrônica”.
A ETE FMC, como é conhecida a escola Técnica de Eletrônica fundada por esta mulher em colaboração com os padres e irmãos jesuítas, é uma bela obra social, onde estudam mais de 900 jovens, a maioria com bolsa de estudos. Sua especialidade? Telecomunicação, Automação e Equipamentos Biomédicos.
Muitas foram as qualidades desta mulher à frente de seu tempo, como a define Lílian Fontes, no seu singelo livro sobre D. Sinhá. Uns notaram nela seu espírito de liderança cristã, ao colocar sua influência política e econômica a serviço dos mais necessitados. Outros perceberam suas iniciativas excepcionais, seu zelo, sua bondade de coração, pioneirismo e capacidade empreendedora... Parece como se o lema desta mulher fosse simplesmente ajudar. Sem nunca ter feito os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, dona Sinhá concretizou sua fé em obras sociais de grande envergadura.
Falar bem de uma figura pública e por muitos anos não é fácil. Os que ocupam cargos de destaque sabem disso. O mau uso do poder e a corrupção costumam derrubar os que levam vida dupla e se colocam em maior evidência. Isso não aconteceu com D. Sinhá; pelo contrário, o povo a queria e os políticos a respeitavam.
D. Sinhá morreu no Rio de Janeiro, com 56 anos de idade. No dia seguinte, foi enterrada em sua cidade natal. O Prefeito de então, decretou luto oficial de três dias.
Em nome da Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa, onde recentemente trabalhei, presto homenagem a esta senhora que tanto bem fez à juventude e ao progresso desta cidade. Da ETE FMC, surgiram mais de 180 empresas de alta tecnologia e duas Faculdades.
Quantas coisas boas podem acontecer quando alguém quer realmente ajudar!
Pe. J. Ramón F. de la Cigoña, SJ
Blog: http://padreramonsj.blogspot.com